• Coincidência?

    Postado 30 agosto, 2019 por em Artigos

    Nestas minhas andanças pela vida, já fui engraxate, vendi jornal velho, já trabalhei em porto, já vendi tijolo, azulejos, parafusos, furadeira, trator, fui professor, fiz apresentações e mais uma montoeira de coisas. Entre estas *montoeiras*, fui, também,

    Os dados ainda estão rolando...vendedor de livros !

    Todas estas atividades me deram, cada uma a seu modo e tempo, as condições que desfruto e pago hoje.

    Em umas destas minhas andanças, a seara da vida me colocou numa cidadezinha no interior do Ceará,  bem no *agrestão* mesmo, chamada Nepomuceno do Paraíso.
    Um calor de fazer vaca dar leite em pó.
    Já quase meio dia e eu só iria procurar a escola, para tentar demonstrar meus livros, depois das 13:30h.
    Como a sede estava terrível, parei o carro à margem da estrada, num bar-mercearia chamada OCHOA. Gravei o nome porque havia um jogador de Grêmio de Porto Alegre que se chamava Ochoa e, em minhas condições, não estava lá em condições de escolher muita coisa não.
    Parei o carro, desci e, sentei em uma das cadeiras que rodeavam as mesas brancas, de plástico, que estavam sob a coberta externa.
    Um televisor, com uma imagem mais esmaecenta que filme de Drácula, resmungava alguma coisa, no *Jornal do almoço* em uma emissora regional.

    Pedi à moça que me atendeu, chamada Fátima, um refrigerante sabor cola, mas que não *COLA*sse. Aquela da outra marca. Um PF (prato feito) arroz, feijão (preto) uma coxa de frango ou um bife, além de uma salada de tomate (TOMATE, no singular mesmo, pois era um só, e mesmo assim, só meio tomate) com duas folhas de alface que, pelo aspecto, haviam sido colhidas na época que Castro Alves nasceu.
    Tudo isto em dois pratos, já descascados pelo tempo, mas (acho que) limpos.
    Aproveitei e pedi DOIS OVOS DE GALINHA, fritos !
    Ela me disse que os ovos seriam cobrados à parte. R$ 2,00 cada ovo !
    Disse que estava tudo bem. Que eu pagaria sem problema nenhum.

    Enquanto esperava, comecei a prestar atenção no noticiário que a televisão gaguejava *ao vivo*.
    A repórter, uma morena muito linda, com uma dicção perfeita, se eu conseguisse entender o que ela falava, devido a microfonia que teimava em cortar as palavras.
    Ela anunciava que, naquele dia, 50 anos passados, o professor Natalino, havia começado a dar aulas no município e, agora estava para se aposentar com o salário integral de UM SALARIO MINIMO. Como o professor estava completando 50 anos de profissão, eu calculei que ele tivesse começado com uns 18-19 anos de idade, portanto, já estava chegando (se não ultrapassado) a sete décadas de vida.

    Eu não havia prestado atenção mas, mais ao canto, em uma outra mesa, havia um senhor, meio sonolento, as rugas da idade caindo-lhe pelo rosto e, eu notei, que o álcool estava acabando com aquele *guerreiro nordestino* !
    A Fatima, que iria me servir, ao passar perto dele, falou-lhe:
    - Tiãozinho! Já chega por hoje ! Tá na hora de subir pra sua casa !
    Ele, o Tiãozinho, não prestou muita atenção no que a moça falou e continuou a prestar atenção na televisão.
    Ele se esforçava para poder ver , ouvir e entender o que estavam falando na televisão.
    Cheguei a pensar que aquele senhor poderia, até, ter sido aluno do professor Natalino, que agora, orgulhoso, recebia uma medalha e um *deproma* do prefeito, pelos *irrelevantes* (sim! Isto mesmo! O prefeito disse pelos IRRELEVANTES) serviços prestados a todos do município. Inclusive ao próprio prefeito Miúdo.
    Não ! O nome do prefeito era Aparício, mas, ele era conhecido por MIUDO.
    Sei disso porque aparecia o nome dele e, entre parenteses,o nome de *MIÚDO*
    O prefeito *Miudo*, como havia questão de frisar a repórter, cumprindo a promessa de campanha de valorizar a educação estava cumprindo uma delas, mostrando assim ser um homem de palavra, honra e dignidade.
    O prefeito Miúdo, chamou o Padre Sansão, que havia recém chegado de Roma, menos de 3 anos, onde havia se encontrado com o Papa e que iria benzer o *deproma*, a medalha e o próprio professor Natalino.

    Ao se aproximar do balcão onde estava o *deproma*, a medalha e o professor Natalino, do outro lado do balcão, em pé, o câmera fixou no rosto do professor e ele, num esgar de lábios, revirou os olhos e caiu para a frente. Em cima do *deproma*, da medalha, virando tudo por cima do prefeito Miúdo, que, numa agilidade felina, saltou para trás..
    Ninguém (nem eu) estávamos entendendo o que estava acontecendo AO VIVO naquela hora, a menos de mil metros de onde estávamos.
    A Fatima, que já vinha trazendo minha refeição em uma bandeja, parou por um minuto para olhar para a televisão e tentar entender o que estava se passando.
    Rapidamente apareceu um senhor diante das câmeras e, debruçado sobre o Professor Natalino, olhou para cima e fez um sinal negativo com a cabeça. Só disse:
    - Infarto fulminante !
    Houve um silêncio eterno de uns 30 segundos até que alguém gritou:
    - Chamem os bombeiros! O SAMU !
    Uma outra voz, vindo sabe-se lá de onde, respondeu:
    - Que bombeiro que nada ! Pra quê ! Ele já *subiu* Chame o Amauri da Funerária São Luiz !
    Creio que foi a primeira morte, ao vivo e (mais ou menos) em cores que eu via na televisão
    Neste meio tempo, aquele senhor, sentado à mesa um pouco mais distante,  o Tiãozinho, um tanto quanto também alcoolizado, fez um barulho estranho, como se estivesse *gorfando* (regurgitando) e caiu por cima da mesa, derrubando a mesa e levando junto o copo cheio de um liquido transparente de cheiro forte.
    A Fatima, que estava com a bandeja sendo equilibrada em uma das mãos, deu um salto pra trás e a bandeja voou (literalmente) em minha direção.
    Só tive tempo de me abaixar e a bandeja passou como um OVNI, pilotado por um prato com arroz com feijão preto, um prato menor com duas folhas de alface e meio tomate, juntamente com dois ovos fritos (moles) sobrevoando minha cabeça!
    Assim que passou a bandeja, ergui, de soslaio, um dos olhos e a Fatima estava ajoelhada junto ao Tiãozinho, puxando-o pelos ombros e gritando:
    - Levanta Tiãozinho! Você tem que ir pra casa que a Diméia está te esperando !
    Mas, mesmo eu, do alto da minha incompetência *funerárica* já havia notado que o Tiãozinho, já estava, nesta hora, acompanhando o professor Natalino (acho que) pelo mesmo caminho.
    Em menos de quinze minutos, eu perdi a fome a sede, vi duas subidas e, sorrateiramente, fui até o balcão, deixei uma nota de R$ 20,00 e uma de R$ 10,00 para pagar a refeição que eu não havia consumido, mas, não gostaria de sair dali, me aproveitando de um momento de dor da comunidade.
    Com medo, entrei no carro, liguei e sai devagarinho, morrendo de medo de, pelo atacado, eu acabar *subindo também* !

    Não ! Não foi naquele dia.
    Mas como saber se não seria se eu estivesse ficada por lá né ?

    Resumindo:
    Não procurei a escola, não vendi livro nenhum, passei sede e fome e a única que consegui foi…. mais uma história das COISAS DO ELOY !

6 Responses to Coincidência?

  1. José Ramos says:

    Belo texto com as histórias vividas pelos personagens. Ri demais com a história.

  2. Naisyara says:

    Que Deus me perdoe por ter dado risada.
    Esses “causos” só acontecem com você mesmo, kkkk!

  3. Neusa Joseli Picareli says:

    Coincidências…? NÃO…!!! NÃO EXISTEM COINCIDÊNCIAS …!
    Todos temos nossos dias marcados no Livrinho da VIDA,.O dia de Nascer e Morrer…E no meio deles, VAMOS VIVENDO !

    “O que ninguém nos conta, é que a vida é muito mais difícil do que imaginamos, mas nunca é mais do que podemos imaginar. ”

    Qtas. mazelas esses senhores passaram pela vida… O Prof. Natalino nem chegou a aproveitar SEU SALÁRIO MÍNIMO INTEGRAL.O Tiozinho, coitado …que vida deve ter vivido para se acabar no álcool..?
    E qto.à você, Prof. Eloy, NÃO FOI DESTA VEZ…!!!E com certeza tem muitos pela frente, para viver seus sonhos, e nos proporcional histórias como essa, que nos leva, a muita REFLEXÃO.
    E Como pergunta o meu querido Padre Zezinho, Padre de minha Paróquia,quando se levanta todas manhãs à Jesus: Será que é hoje o dia da minha partida ? Se for, ESTOU PREPARADO !
    Então, Vamos Viver tudo que temos para viver, até a hora da nossa “SUBIDA ” …
    Excelente Texto…!
    Neusa Zilica

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